Uma homenagem à mulher-mãe!

"E num dia de bendita magia, numa explosão de luz e flor, num parto sadio e sem dor, é capaz, bem capaz, que uma mulher da minha terra consiga parir a paz. Benditas mulheres." Rose Busko

Nem todo vício é ruim...


Vício - do latim vitium. No dicionário "falha" ou "defeito" - um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem. Será? Eu prefiro definir como adicção ou dependência, sem atribuir ao termo (nesse caso) uma conotação negativa. Explico...

Quem conhece sabe, vida de doula não é mole. A gente é acordada no meio da madrugada, dorme pouco, não raro perde o final de semana, feriado, festas e quase nunca tira férias. Com frequência me perguntam até quando eu vou aguentar isso e eu sempre respondo com convicção "Se Deus permitir, quero morrer trabalhando".

É, partejar pra mim é um vício. Algo sem o qual não consigo me imaginar. Partejando me sinto inteira, livre. Ali ao lado de uma mulher parindo, me invade uma profunda sensação de pertencimento. Me vejo parte de algo muito maior que eu. Presenciar o milagre da vida em sua forma mais visceral e honesta envolve tanta oxitocina, endorfina e adrenalina que não me ocorre querer parar.

Tá, não vou mentir dizendo que o trabalho não cansa - partejar me põe no meu limite e em alguns momentos me exorta à ultrapassa-lo. O dinheiro é pouco, a jornada é longa e as vezes o desfecho não é exatamente o que se esperava.

Mas partejar é também uma das experiências mais transformadoras que já vivi. Em cada parto, em cada nascimento, uma jornada que trilho junto com aquela mulher. Ver nascer (e renascer) uma mãe, um bebê, um pai, uma família é indescritível. 

Cada hora de trabalho de parto é uma superação, pra elas e pra mim. As caretas que se transformam em gemidos, que vão dando lugar aos gritos. O medo de não conseguir suportar o processo. O olhar que busca em mim a força que lhes escapa pela mistura de exaustão e dor. E nas mãos entrelaçadas seguimos juntas.

Não, pra nem todas é assim... mas pra muitas é. Só que, independente de como o processo venha, na emoção do nascimento, quando o alívio se mistura à um êxtase quase descrente, o tempo para - isso vêm com todas - e me permito um momento de contemplação singular, que sempre me põe uma lágrima nos olhos, uma emoção no peito, um calor na alma.

Costumo dizer às minhas meninas que o parto é terapêutico. Mas sempre sou obrigada a avisar que ele não é daquelas terapias que respeita seu tempo pra encarar as coisas não... a terapêutica do parir tá mais pra terapia de choque mesmo. A gente precisa "parir" muitas coisas antes do bebê. E seria muito bacana se cada uma de nós pudesse ir "parindo devagar" (como diz um colega obstetra) e ao longo da gestação, cada um de nossos "assuntos pendentes". Levar bagagem demais pro parto pode fazer as coisas ficarem bem difíceis.

Acho que esse conselho vale pra nós, doulas, também. Digo isso porque partejar pra mim também é terapêutico. A cada parto tenho a oportunidade de rever minhas prioridades, renovar minhas forças e relembrar o quanto a vida é preciosa e frágil. Mas alguns processos são particularmente desafiadores, quer pela imensa proximidade emocional que desenvolvi com àquela mulher, ou pela identificação que tenho com àquela história. É preciso uma enorme dose de auto-controle e outra de abnegação pra não projetar minhas próprias questões nos partos que assisto. Um exercício de empatia constante... me pôr no lugar do outro sem me espelhar nele. Difícil, mas necessário. 

É... mais que um trabalho, partejar é pra mim um ofício que exerço com paixão - um vício do qual não tenho nenhuma intenção de me livrar.

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