Uma homenagem à mulher-mãe!

"E num dia de bendita magia, numa explosão de luz e flor, num parto sadio e sem dor, é capaz, bem capaz, que uma mulher da minha terra consiga parir a paz. Benditas mulheres." Rose Busko

Sobre Orquestras e Maestros

Por Carla Andreucci Polido, Médica Obstetra
Texto original publicado em 27 de setembro último no facebook


Enquanto profissionais de obstetrícia acreditarem que a orquestra do parto é regida por eles, e não pelas mulheres, os nascimentos nada mais serão do que procedimentos técnicos.

Em obstetrícia, o processo fisiológico de gestar e parir vai permitir o melhor resultado para a mulher e seu filho, na maioria absoluta dos casos . Acompanhar uma gestação saudável para identificar situações de risco inesperado é a nossa ciência. É verdade que situações inesperadas podem acontecer, mesmo quando tudo transcorre normalmente. Somos treinados para identificar e corrigir tais situações. E também é verdade que intervenções e procedimentos sem indicação aumentam o risco para todos os envolvidos.


Saber como e quando intervir durante a assistência pré-natal e durante o parto é muito importante, e se trata do principal papel dos médicos. Mas para intervir oportunamente e esperar a evolução fisiológica com segurança, é preciso que se conheça muito dessa arte.

Respeitar o processo fisiológico é assistir um parto com excelência. Intervir adequadamente, utilizando todo o nosso conhecimento, treinamento e tecnologias disponíveis, eleva a qualidade da assistência obstétrica ao seu ponto máximo. Entretanto, entender que a maestrina responsável é a parturiente, é a chave do nosso sucesso. E mais ainda, que a regência do processo não deve caber ao afinador de instrumentos. Uma orquestra talvez não seja o melhor exemplo para analogia, nesse caso.

Citando o exemplo elaborado por minha amiga e também professora de obstetrícia Roxana Knobel, podemos pensar numa equipe de atenção à gestação e ao parto como equipes de exploradores do Polo Sul. O norueguês Amundsen treinou um grupo de cientistas para chegar pela primeira vez ao Polo Sul, assim como o inglês Scott. Havia os líderes e planejadores das expedições, Amundsen e Scott, e todos os outros profissionais qualificadíssimos que os acompanhavam. A diferença estava no treinamento em habilidades transdisciplinares com que a equipe do norueguês contava, enquanto a do inglês se baseava em espertizes individuais de cada profissional. A história trágica é conhecida: o norueguês foi bem sucedido, e o inglês e toda sua equipe pereceram no caminho de volta, uma vez que cada membro da equipe apenas desempenhava um papel específico. Quando um membro adoeceu, e depois morreu, uma cascata de eventos foi desencadeada, o que selou o destino de todos.

O médico é essencial no parto, desde que suas habilidades sejam necessárias. Reconhecer essa questão é fundamental para que valorizemos nossa profissão. Não estamos disponíveis apenas para respeitar a autonomia das mulheres que desejam ter seus filhos no Hospital Albert Einstein, e sim para prestar a melhor e mais qualificada assistência ao parto vaginal como primeira escolha para a maioria das parturientes, em qualquer hospital das redes pública ou privada. Para isso, precisamos de uma equipe transdisciplinar em que reconhecemos cada um dos seus componentes como fundamental, e capaz de contribuir para o melhor desfecho possível.

Em 1993, os pediatras americanos Klaus e Kennel escreveram que “se a doula fosse uma medicação, seria anti-ético não prescrevê-la”. Em 2013, a Biblioteca Cochrane atualizou os dados sobre “apoio contínuo intraparto”, mostrando que mais de 15.000 mulheres analisadas em 23 ensaios clínicos randomizados tiveram melhores resultados maternos e perinatais quando eram acompanhadas por pessoas que não pertenciam ao staff hospitalar ou ao núcleo familiar das gestantes. A conclusão de Ellen Hodnett, Justus Hofmeyer e coautores foi de que “o apoio contínuo durante o trabalho de parto traz benefícios clínicos significativos para as mulheres e seus bebês, sem provocar nenhum dano evidente. Todas as mulheres deveriam receber apoio contínuo durante o trabalho de parto e parto.”. 

Infelizmente, ainda hoje, alguns médicos se sentem ameaçados pela presença de doulas, ou pela assistência obstétrica realizada por obstetrizes ou enfermeiros obstetras. Alguns médicos acreditam que são autoridades no parto, quando na verdade deveríamos ser os socorristas, os que acorrem e atendem as complicações.
Se existe hierarquia na assistência obstétrica, a chefe suprema é a mulher. Entender essa questão é muito mais importante do que marcar território e bater de frente com outros profissionais envolvidos no cuidado. Reconhecer a autoridade da mulher não é se submeter ou se curvar a ela com humildade. Ao contrário, é uma forma até egoísta de conseguirmos nossos melhores resultados profissionais.

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