Uma homenagem à mulher-mãe!

"E num dia de bendita magia, numa explosão de luz e flor, num parto sadio e sem dor, é capaz, bem capaz, que uma mulher da minha terra consiga parir a paz. Benditas mulheres." Rose Busko

No dia dos pais, um tributo à mãe do meu filho, por Gustavo Gomes

Neste meu primeiro dia dos pais, gostaria de agradecer à mãe do meu filho por permitir que me tornasse pai da maneira tão magnífica que jamais poderia imaginar.

Há quase três meses, ajoelhado no chão frio de um banheiro, eu aguardava os movimentos finais do parto do meu filho. Acompanhara durante a madrugada, as primeiras contrações, a perda do tampão, o estourar da bolsa, o acelerar das contrações e esperava o momento de pedir o auxílio dos profissionais da maternidade. Contudo, queria o destino que fosse eu a assistir o nascimento do meu filho. Não houve tempo para convocar enfermeiras ou obstetras. Estávamos sós: eu, a mãe e nosso filho.

Com contrações aceleradas, a mãe de pé amparou-se com uma mão na pia e a outra nas minhas costas. Nunca se apagará da minha memória a primeira imagem do meu filho que surgia depois de tão longa espera. Ainda incrédulo, avistei primeiramente seus cabelos. Depois pude ver o formato de suas orelhas até vislumbrar totalmente seu rosto. Uma eternidade, no entanto, parecia separar este primeiro contato visual do salto definitivo para minhas mãos. Emoções e pensamentos diversos tomavam conta de mim, estranhamente sem impedir minhas ações. Estiquei o braço esquerdo e mantive a mão direita aberta em baixo da cabeça do meu filho na improvisação de uma rede para recebê-lo. Aguardei pacientemente ele girar para, como em um passe de mágica, cair logo depois nos meus braços. Já com a emoção do seu choro, afrouxei o cordão umbilical que circulava o seu pescoço. Aguardei o recuo cuidadoso da mãe e delicadamente entreguei-lhe nosso filho para que ela imediatamente o acalentasse em seu seio.
O entusiasmo, o amor e a gratidão presentes nesse momento me animaram agora a descrever o que foi a experiência mais marcante da minha vida. Neste dia dos pais, relembro e compartilho esses momentos incríveis vivenciados para agradecer pelo privilégio de poder amparar o meu filho no ato final do seu parto e para incentivar outros pais a também vivenciarem momento de tamanha felicidade assim como fui encorajado, por outros pais, nos grupos de gestantes que participei.

Após esse desfecho inusitado, parentes, amigos e colegas de trabalho me cumprimentavam por ter “feito o parto do meu filho”. Embora envaidecido pelos elogios, preciso agora retificar, pois, após essa experiência, compreendi que não são os pais, homens ou os médicos que “fazem os partos”. O parto é sempre um ato da mãe.

Há nove meses, eu ignorava o que seria um parto. A imagem, para mim recorrente, era aquela dos filmes de Hollywood onde um cenário de desespero e correria remetia inevitavelmente para um centro cirúrgico hospitalar no qual um médico fazia o parto de uma mulher deitada, passiva e imobilizada. Não acreditava que as mulheres soubessem parir ou que os bebês soubessem nascer sozinhos.

No entanto, minha companheira estava disposta a me ensinar em poucos meses uma valiosa e inesquecível lição que marcaria o resto da minha vida. Foi com medo e desconfiança que me entreguei a essa nova jornada e resolvi participar do parto do meu filho.

Logo aprendi que o parto não se resume ao momento que o feto deixa o útero da mãe. Fui convidado a aprender sobre o inicio da nossa vida. Fui a quase todas as consultas com a obstetra no pré-natal. Acompanhei com expectativa as ultrassonografias. Participei de grupos de gestantes. Assisti a filmes sobre partos. Li muito sobre bebês. Estranhamente, quanto mais aprendia, mais percebia que precisava desaprender diversos preconceitos e mitos sobre o parto. Nessa longa jornada, descobri como estamos afastados de nossa natureza. As técnicas da medicina, que deveriam ser instrumentos de promoção da liberdade e da saúde feminina, atualmente transformam às mulheres em objetos subordinados. Assim, desaprendermos a nascer. Para mim, foi necessário fazer o caminho de volta e me reencontrar com nossa natureza humana. Descobri, porém, que esse caminho possui muitos obstáculos.

Ao longo das últimas décadas, as mulheres sofrem com tentativas de roubo de sua autonomia, de sua força e de sua liberdade. Na sociedade onde tempo é dinheiro, parir é muito caro. Nascer demora demais. As mulheres e seus filhos não podem controlar sequer o seu tempo de parir e nascer. Homens, médicos, autoridades cientificas oprimem as mulheres em inúmeras intervenções desnecessárias e violências obstétricas. Nascer não é tarefa fácil no Brasil onde a cesariana é realizada em 52% dos nascimentos (88% no setor privado) quando a OMS recomenda apenas 15% como índice aceitável.

Para enfrentarmos esses obstáculos com êxito, foi fundamental que no nosso caminho encontrássemos profissionais que remam contra essa maré. Profissionais que sabem que a assistência ao parto não se faz só com bisturi. Foram imprescindíveis para nós, os relatos dos medos, das dores, das violências obstétricas, dos erros e acertos compartilhados nos grupos por outras mães e pais. As informações e a atenção da doula, que nos acompanhou durante a gestação, nos encorajaram e ajudaram a resgatar a confiança da mãe e o poder que as mulheres carregam. Agradeço a estes profissionais que souberam respeitar a vontade desta mulher corajosa e apoiá-la em seu desejo de parir naturalmente.

Aprendi também que as mulheres não precisam de nós, pais dos seus filhos, para parir. Porém, nosso apoio e participação são bem-vindos. Desse modo, a coragem não foi minha em nenhum momento. O ato final de coragem da minha mulher foi acreditar em mim. Achar que eu poderia amparar meu filho durante seu nascimento. A coragem dela aniquilou minha covardia e tive que me colocar a altura de sua confiança, me ajoelhar e pegar nosso filho.

Sou então um pai realizado por poder participar da vida do meu filho desde o primeiro minuto de sua vida. Este é um vinculo muito forte que nos une. Espero que eu possa estar ao seu lado, nos maus e bons momentos, ao longo de todos os anos do resto da minha vida.

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