Uma homenagem à mulher-mãe!

"E num dia de bendita magia, numa explosão de luz e flor, num parto sadio e sem dor, é capaz, bem capaz, que uma mulher da minha terra consiga parir a paz. Benditas mulheres." Rose Busko

Conversa de Pai

Passei muito tempo resistente antes de finalmente ter coragem pra relançar o projeto Conversa de Pai. Não porque julgue que seja desimportante, muito ao contrário, mas porque penso que deveria ser um papo realmente de homem pra homem e nunca encontrei um homem que bancasse conduzir essas reuniões dentro dos princípios que cultivamos. Enfim... depois de tanto ouvir pedidos, decidi retomar as reuniões assim mesmo e fiquei muito feliz ao perceber a adesão dos meninos. Não pude deixar de me lembrar de um texto do Ric Jones justamente sobre a quebra de paradigma que situações como essa representam para nossa sociedade. Originalmente publicado no site Vila Mamífera, por Ricardo Hebert Jones, Papo de Pai - um texto que consegue representar minha alegria e ao mesmo motivação para conduzir este projeto... que eu espero, cresça e frutifique. Desfrutem e até a próxima.
Saí da loja de componentes eletrônicos e senti a súbita compulsão de tomar um café. O shopping estava “bom” hoje, e com isso me refiro ao fato de que não estava lotado. Procurei uma mesa e chamei o garçom. Ele se aproximou e, antes que pudesse me estender o cardápio, eu disse “Um expresso, por favor?”. Ele guardou o menu embaixo do braço e respondeu “Pois não. Só um expressinho?”
“Sim”, respondi eu, mas com a clara sensação de que minha condição de pobre, miserável e incapaz foi descaradamente revelada. Afinal, só isso poderia explicar que, podendo comprar um “Extra-supreme café italiano com chantilly e canela” que custa 15 reais, eu me resignei a pedir apenas um mísero expressinho de 3 reais e cinquenta centavos. Para disfarçar a minha vergonha abri meu tablet e conectei com o Facebook, vício do qual me considero irrecuperável. Encontrei Kalu on line, que falou sobre o estatuto do nascituro e me disse da necessidade de debatermos mais sobre esta questão. Ponderei com ela que este documento pretende transformar o feto em sujeito, colocando o pátrio poder abaixo das determinações do estado. Falei para ela do perigo que significa o extermínio do protagonismo feminino sobre seu corpo, que ficará sacramentado como algo tutelado pelos poderes estabelecidos. Em outros países iniciativas como essa, capitaneadas por grupos religiosos, produziram aberrações terríveis, como o “advogado do feto” e as cesarianas por demanda judicial. (http://www.independent.ie/irish-news/courts/hospital-sought-court-order-to-force-mother-to-have-csection-29120379.html. Veja também esse excelente artigo, que tem mais de 25 anos sobre o tema, escrito por Susan Inwin e Brigitte Jordan: http://www.lifescapes.org/Papers/COCS%20Hahn%201987.htm) 
Repentinamente fui atraído pela conversa que se desenrolava na mesa ao lado. Alguns fragmentos de frases soltas acabaram despertando minha atenção. “A cesariana”… “O médico disse que…”, “Então ela foi para o centro cirúrgico…”. Dois jovens, por volta dos 30 anos, conversam sobre… partos. Sim, o assunto era sobre os nascimentos dos filhos deles, ambos ocorridos recentemente. Um deles estava sentado, e é um cabeleireiro. Sei disso porque ele estava de uniforme, e a cafeteria fica exatamente em frente a um famoso Salão de “Haute Coiffure”. O outro, que se mantinha de pé, era provavelmente um amigo que o havia encontrado tomando um café no intervalo de suas tarefas. 
O cabeleireiro toma a palavra e dispara, fazendo minha xícara de café chacoalhar. “Meu médico disse que marcou a cesariana para eliminar os riscos, e eu concordei com ele. Por que deixar passar do tempo e se arriscar?” O rapaz nada mais fez do que reproduzir os preconceitos arraigados no imaginário popular, centrados na “mitologia da transcendência tecnológica” que Robbie nos alertava. O conhecimento autoritativo do profissional conquista, na alienação do marido, um aliado importante. Eliminar riscos através de cirurgias só pode ser entendido se acessarmos as questões ideológicas que estruturam a nossa cultura. O que é do feminino e da natureza não é confiável, mas o que vem da razão e da ciência é digno de total apreço e respeito. 
A resposta do seu amigo, o que se mantinha de pé, foi surpreendente. “Pois é, mas uma cesariana é uma cirurgia. E ela abre sete camadas. Existem riscos inerentes em realizar um procedimento assim, não é?” Havia, pelo que pude perceber, pelo menos um pouco de discernimento e informação no seu questionamento sobre as cesarianas. 
A conversa rolou mais um pouco sobre o tema e continuei a espichar o ouvido, no melhor estilo “velha fofoqueira”. Que me perdoem os rapazes, mas precisava saber o que dois jovens homens adultos, e que acabaram de passar por esta experiência, tinham a dizer. Na conversa que se seguiu pude perceber que as duas esposas tiveram filhos através de cesarianas. Ambos pequenos, um de 2600g e o outro 2900g. Como saber se não saíram muito antes do que deveriam? Não havia nenhuma justificativa clara nos discursos de ambos, apenas a determinação autoritativa de profissionais que gozavam da confiança de ambos. Não percebi nenhuma indignação, estranhamento e muito menos revolta, apenas resignação com os fatos. O cabeleireiro o tempo todo reforçava as palavras do seu médico, com frases do tipo “Quando ele me disse eu imediatamente concordei…”, ou “realmente não há porque arriscar”, entre outras expressões de concordância. 
Tive vontade de levantar, puxar os dois pela gola da camisa e gritar: ”Meninos, ACORDEM!!!!!” 
É um pouco triste, e um pouco trágico. 
Pensei no que Maximilian, com sua positividade e otimismo, me diria ao ouvir o diálogo dos rapazes. “Olhe pelo lado positivo, Ric. Quando é que você se sentou com um amigo e pôde debater o parto de seus filhos? Achas que o seu pai um dia conversou com alguém sobre o seu nascimento?” 
Está certo, Max. Prefiro ver a conversa que se estabeleceu ao meu lado como um sinal de que os homens estão se interessando mais por partos, nascimentos e amamentação. Mesmo sabendo que se trata de escolhas tolas, como cesarianas sem justificativas, ainda é melhor isso do que a suprema alienação de tempos idos. Tristemente, ainda hoje presenciamos inversões de valores que nos agridem os sentidos. Os casais grávidos ainda se fixam em detalhes desimportantes do nascimento ao invés de procurarem um atendimento com as características fundamentais da humanização: o protagonismo da mulher, a visão interdisciplinar e as condutas baseadas em evidências. Infelizmente muitos ainda querem um parto no “Sheraton”, muito chique, com piso de mármore e enfermeirinhas de tailleur. Procuram a tecnologia explícita como um artigo de consumo que o dinheiro pode comprar, e não como um recurso extremo, usado em situações limite. O atendimento ainda é equivocado e violento, do ponto de vista humano e médico, mas tem aparência de produto sofisticado. 
O amigo em pé coloca um pouco de dúvida sobre a correção das escolhas feitas. “Sabe que a mulher da cama a lado da minha esposa estava dando banho no bebê no mesmo dia em que aconteceu o seu parto, pois para ela foi normal. Isso me chamou a atenção, pois quando olhei para a minha mulher percebi que ela não podia nem se mexer na cama.” 
O cabeleireiro ainda respondeu: “Pois é, quando puder ser normal é melhor, não? Infelizmente no nosso caso não foi possível”. Até eles perceberam as diferenças, mas o medo da autoridade médica ainda impera. Como diria Maximilian: ”Ignorantia stercore est” (A ignorância é uma merda) 
Mas, não há razão para ser pessimista. Muito conquistamos nos últimos anos. Veja só que beleza essa ultima publicação holandesa sobre parto domiciliar. (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130614_partoscaseiros_riscos_fl.shtml.) 
Há poucos anos ninguém falava desta questão no Brasil, e hoje em dia há uma legião de ativistas questionando local de parto, violência institucional, lei do acompanhante, obstetrícia baseada em evidências e tantas outras questões. 
Em 1999 estive em um congresso de humanização do nascimento no Rio de Janeiro e até entre os humanistas o assunto parto domiciliar era tabu. Ninguém atendia, ninguém tinha ideia dos equipamentos essenciais, não tínhamos a proposta de equipes interdisciplinares, e muitos achavam que este era um assunto menor, que sequer merecia ser debatido. Naquela época a gente achava que Casa de Parto era uma pequena clínica fora do hospital, com bloco cirúrgico, e com atendimento feito por médicos. Chegamos a fazer uma assim, que acabou fechando. O modelo de parteria, com a proposta centrada na atenção pela enfermeira obstetra e na obstetriz, só veio muito depois, com o amadurecimento do debate o fortalecimento ideológico, principalmente pelo trabalho da professora e antropóloga Robbie Davis-Floyd. Essa primazia, sou obrigado a reconhecer, é dela. Antes dos seus livros – em especial “Birth as na American Rite of Passage” – ninguém sabia exatamente o que fazer, apesar de já sabermos o que não queríamos mais continuar fazendo. 
Robbie estruturou, a partir do seu modelo antropológico, a humanização do nascimento. Ela deu consistência e direcionamento à nossa indignação. 
Assim, quando vejo a conversa de dois homens falando sobre o nascimento de seus filhos percebo o alvorecer de um novo tempo, onde a participação masculina ficará cada vez mais intensa e constante. Mesmo que a fala deles seja ainda recheada de equívocos e inconsistências, ainda prefiro encarar como um avanço. Talvez ambos tenham voltado para as suas casas com uma semente de dúvida. A farpa, “ardente e corrosiva”, como me dizia Max. “Será mesmo que era necessário?”

Um comentário:

  1. e assim mesmo.... A coisa va mudando...
    Minha esposa e eu estamos grávidos com uma data prevista de 20-10. Moramos em Cabo Frio e estamos procurando alguém que acompanhe o parto humanizado (parteira ou alguem)
    Agradece se qualquer informação
    Obrigado
    Agustin
    agustin.galiano@hotmail.com

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